Tendo Goiânia como uma referência, um suposto marco zero, a distância por estradas até Santa Maria no Rio Grande do Sul corresponderia a 1887 km. Aproximadamente 2000 km. Longe, se formos analisarmos rapidamente. É outra realidade. Outra região brasileira, outros costumes, tradições,outras pessoas, outros gostos. O que acontece lá fica lá, não nos afeta. Triste constatar meus caros, que a morte, a tragédia, o fogo, aconfusão e a fumaça esta é para todos, e não escolhe naturalidade, classe social, cursoou religião.
Na madrugada, aos 27 de janeiro de 2013, até o momento foram encontrados aproximadamente 250 corpos de pessoas que estavam na boate Kiss (Santa Maria – Rio Grande do Sul) após um acidente durante um show pirotécnico, em uma típica festa universitária. Ai remete-me a distância do local da tragédia, seria mesmo tão longe do nosso alcance? Tão difícil de mensurar a dor dos pais, agonia de quem sem foi, o alivio daquele que não pereceu? Mais uma vez e com tristeza que constato, é tão perto, a tragédia é logo ali.
Quantas e quantas vezes julguei meu pai um chato de categoria maior por sempre enfatizar as mesmas coisas, mesmas teclas de encheção de saco comigo e com minha irmã. Escuto a voz dele com clareza na minha cabeça:“Nunca saia de carro sem cinto de segurança.” – Este é o primeiro bordão (de muitos) dele. Para meu pai, para meu sábio pai, tudo se inicia ali. Sair de casa sem cintode segurança em um carro, nunca existiu desde nossa infância.
Está sem cinto, não sai, simples assim. Todas àsvezes, que eu e minha irmã íamos sair deparávamos com meu pai, ali maçante com o enfadonho discurso do cinto de segurança. Na nossa imaturidade juvenil e pseudo-blindagem típica dessa fase “Isso nunca vai acontecer comigo”, sempre cedemos ao meu pai para evitar a falação. Partindo para o outro bordão do mesmo, toda vez que íamos sair para boate, festas e até shows, além do batido discurso pró-cinto outro se destacava. Era na verdade uma enxurrada de perguntas quase sem sentindo, despejadas nas nossas cabeças impacientes: “É local fechado? Já venderam os ingressos todos? Olha, se vocês verem alguma confusão ,saiam imediatamente! Chega no lugar a primeira coisa que deve olhar é a saída de emergência!”
Pela primeira vez depois de duas décadas e meia ouvindo o mesmo discurso batido, nunca as palavras do meu pai fizeram perfeito sentido. Eu me arrependo, e sofro, com todas as vezes que chamei meu pai de paranóico, estressado e super exagerado. Eu julgava que estas coisas eram quase fantasia cinematográfica. Um filme ruim que lucra com tragédia. E acordo com o filme ruim, ao vivo e real na minha tela.
Alguns vão dizer que estas coisas acontecem que não dá para evitar, que simplesmente chegou à hora. Mas e se desse para evitar, ainda que não resolvesse integralmente… E se desse para minimizar?
Até agora eu preciso encontrar algum sentido em pirotecnia em um ambiente fechado. Qual a lógica? Qual a finalidade? Aí você pensa, ea sua cabeça reage absurdamente, ao imaginar que pessoa em sã consciência realiza tal ato em uma casade shows fechada/ boate, e isolada? Inútil procurar sentido para tal show. Mas isso vem além do realizador do show, vemacompanhado da (in) responsabilidade daqueles que permitiram uso de tal entretenimento no local. O fogo não pede licença. Ele passa, ele fere e mata. Em poucos minutos, eu creio o local estava um caos. Imagino pessoas correndo , caindo , gritando, e mais um momento você analisa a tragédia em busca de culpados, de explicações. Que segurança em sã consciência barra a saída, o escape das pessoas pela vida,porque estas possivelmente não pagaram suas comandas? Quem faz isso? Creio que a conta, a mente do mesmo, está custando mais caro que as comandasem cinzas pelo chão.
Daí quando eu canso-me de culpar o realizador da pirotecnia, o dono da boate, o segurança, até mesmo os jovens que cientes da falta deespaço apinharam-selá ora pelo show, ora pela bebida, ora pelos amigos… Mas em um desastre desses cabe a mim, ou a você, ou a mídia atribuir culpados? Nomear responsabilidades? Gritar pó indenizações, justiça? Infelizmente eu estou certa que embora proporcione uma falsa sensação de justiça, procurar por desculpas e nomear culpados nada muda. É tão longe, mas ao mesmo tempo tão perto. As pessoas que ali morreram, não voltam. Nunca mais.
Eu fico escutando os avisos do meu pai como coro na minha cabeça. Todos nós, todos os dias estamos claramente exposto aos riscos. Os jovens caçoam da preocupação dos pais, e carregam a certeza fútil “Isso nunca vai acontecer comigo”. Nenhum pai deseja estar vivo para enterrar um filho. Não resta muito agora. As pessoas estão tristes e chocadas, mas cientes, que nada está muito longe da nossa realidade, não importa onde ocorra. Que nada é 100% seguro, e todo e qualquer cuidado que você tomar seja ao sair de casa, com seu cinto de segurança, ou atenção redobrada em uma casa de show, ainda assim é pouco e pode não valer de nada. Ao escrever este artigo, eis que surge um trocadilho infame. Curiosamente ouço Last Kiss, música da banda Pearl Jam. Inevitavelmente a palavra Kiss da música remete-me a boate onde a tragédia ocorreu. Concentro-me em como finalizarei meu artigo, mas eis que os versos da musica chamam minha atenção bruscamente, fazendo perfeito sentindo ao ocorrido e finalizando o que não tenho mais que escrever:
I’ll never forget the sound that night
(…)
When I woke up, the rain was pourin’ down,
There were people standing all around.
Something warm rolling through my eyes
Eu nunca esquecerei o som daquela noite
(…)
Quando acordei, a chuva caía
Havia muita gente em volta
Algo quente escorreu pelos meus olhos
Por Paula Amanda Silva Borges,
A Articulista é estudante de Administração, Universidade Federal de Goiás
Me identifiquei muito com o texto.
Parabéns pelo artigo e parabéns para o blog por abrir espaço para novos pontos de vista.
Adorei , o post.
Tem mais artigos desta autora? má bah , mto boa mesmo!
Infelizmente não Gaucho.